Conjuntura:
Brasil pena para se livrar da inflação
O custo de vida já chega aos 6% ao ano, embora o
nível de investimentos esteja cada vez menor. Por que, então, o país continua
sem barrar a subida de certos preços?
Com o custo de vida encostando nos 6% ao ano,
apesar de o nível da atividade estar despencando, o país mostra incapacidade de
se livrar de uma praga que prejudica, sobretudo, os mais pobres.
Assombrado por um passado de instabilidade
econômica, baixos níveis de poupança e de investimento, o Brasil amarga ainda
hoje uma das inflações mais pesadas do mundo. E pior: ao mesmo tempo em que os
preços persistem em elevação, o país cresce a taxas minguadas. Nem mesmo o
advento do Plano Real, responsável por transformações sociais poderosas nos
últimos anos, tem sido capaz de parar determinados preços — alguns chegaram a
ser reajustados em aproximadamente 1.000% nestes 18 anos de estabilidade
econômica, algo impensável em nações civilizadas. Técnicos do governo apontam a
indexação da economia, o crescimento da carga tributária e o baixo desemprego
como os principais culpados pelo Brasil ainda ser o país da carestia.
Para quem olha de fora, parece um absurdo o
brasileiro ter visto o preço da carne de boi e de frango subir 340,83% em 18
anos. Nesse mesmo período, os pescados dispararam 520,53%; os serviços,
534,94%, a conta de telefone, de TV a cabo e internet, 724,47%; os combustíveis
domésticos, 835,98%. Na média do país, o custo de vida aumentou 309,7% no
período, ou seja, mais que triplicou. Nesse mesmo espaço de tempo, os preços no
Japão caíram 1%; nos Estados Unidos subiram 64%; na Alemanha, que viveu a pior
inflação da história da humanidade, aumentaram 35%.
"O governo está brincando com a inflação. Se a
presidente Dilma Rousseff não acordar para a realidade, corre o risco de perder
a sua reeleição", alerta um ex-diretor do Banco Central (BC).
Na avaliação de integrantes da equipe econômica,
não há, contudo, descontrole inflacionário. O Brasil, segundo eles, reúne
condições diferentes das observadas no período pré-plano real. Parte desses
ajustes estratosféricos, admite um deles, é culpa da crescente carga
tributária. Nas contas de energia ou do segmento de comunicação, por exemplo,
os encargos podem chegar a 30% do valor total das faturas, dependendo da região
do país. O mesmo técnico pondera que alguns desses itens estavam com preços
defasados quando o real passou a vigorar e foram corrigidos ao longo do tempo.
Outros, na transição de moeda e também na privatização de empresas públicas,
tiveram os reajustes atrelados à variação do dólar ou aos Índices Gerais de
Preços (IGPs).
Ressentimento
Os técnicos do governo associam ainda a carestia à
memória inflacionária do consumidor, sobretudo daquele que viveu os piores anos
de instabilidade econômica. O ressentimento do brasileiro com o descontrole dos
preços, avaliam especialistas, parece pior do que o do alemão, que, no período
pós-guerra, enfrentou a pior inflação da história. Com esse medo e vigília
permanentes, o Brasil não conseguiu se livrar de mecanismos inventados para
conviver com a hiperinflação e deixou parte da economia indexada. Todos os anos,
os trabalhadores olham para o passado e pedem recomposição salarial. Em outros
países, esse cálculo é feito com base no futuro. Contratos de aluguel,
reajustes de condomínio e tarifas públicas seguem essa mesma lógica e também
realimentam a inflação ano após ano.
"Suponha que a inflação fechou o ano em 5,2%.
Pela indexação, no ano que vem, se nenhum outro preço mudar, se pudesse
congelar todos, à exceção dos contratos com correção monetária, já teríamos
automaticamente 1,5% de carestia", calcula Simão Silber, professor de
economia da Universidade de São Paulo (USP). No governo, algumas iniciativas
tentam minimizar esse efeito. Na última campanha salarial do funcionalismo
público, por exemplo, a proposta do Palácio do Planalto foi de correções com
base no futuro, um aumento salarial de 15,8% dividido pelos próximos três anos.
"Isso pode criar parâmetros para a iniciativa privada. Indexação não se
mata por decreto, ela morre de morte morrida", brincou um integrante da
equipe econômica.
Outro fator que vem pesando sobre o custo de vida
deste ano é o câmbio. O próprio governo admite, internamente, que o patamar de
R$ 2 pode até ser confortável para a indústria exportadora, mas atrapalha a
política monetária. Não à toa, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
está acima de 5% neste ano e pode chegar aos 6% em 2013. Para especialistas, o
problema mais grave da economia brasileira é a falta de competitividade e
eficiência, uma falha que não pode ser compensada pelo dólar mais alto frente o
real.
Diante dessa dificuldade de ampliar o ritmo de
produção, os ganhos dos trabalhadores, que em algumas categorias beiram os 10%
nos últimos anos, têm se transformado em inflação. Se o setor produtivo não
consegue compensar os aumentos de salários com maior produtividade, os
reajustes salariais vão bater diretamente no bolso do consumidor. "Estamos
na faixa superior das taxas de inflação. Não me lembro de nenhum país que se
possa chamar de civilizado que tenha mais de 2,5% ou 3% de inflação ao
ano", pondera José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco
Fator. "E pior, ainda tem países não civilizados com inflação mais baixa
que a nossa", critica.
Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra,
argumenta que para vencer a inflação e conseguir crescer a taxas robustas, o
Brasil precisa de agenda mais agressiva que amplie a competitividade do setor
produtivo. "Precisamos de reformas mais amplas na parte tributária e
trabalhista", afirma. Ele lembra que, a curto prazo, o BC, que vem
cortando juros há um ano — a taxa básica (Selic) está em 7,5% ao ano e pode
cair a 7,25% em outubro —, precisa ficar atento aos movimentos do Federal
Reserve (Fed), o BC dos Estados Unidos.
Na próxima semana, são grandes as chances de a
instituição anunciar um novo quantitative easing, uma operação semelhante a uma
injeção gigantesca de dólares na economia mundial. Caso se confirme, ela tem
poder de tornar mais caras as commodities (produtos básicos com cotação
internacional), o que bateria diretamente na mesa do consumidor, sobretudo por
meio da carne. "Potencialmente, é possível algum efeito sobre os preços,
mas não nos parece que será em grande magnitude", observa. Para o governo
brasileiro, a decisão da autoridade monetária norte-americana não deve trazer
pressões inflacionárias para o país. A leitura da equipe econômica é que essa
"receita ficou desgastada".
Peso dos
lobbies
O próprio governo, quando atende o lobby organizado
de determinados setores, segundo especialistas, alimenta a carestia. A inclusão
da batata-inglesa, por exemplo, na lista de produtos que terão imposto de
importação aumentado, deve elevar o custo do produto no Brasil. O tubérculo, no
ano, já acumula alta 24% e é um dos responsáveis pelo Índice de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) em ritmo mais forte que o ideal. O governo retruca,
porém, que se houver aumento de preço depois da nova alíquota, vai reduzi-la
para compensar. "Esses benefícios pontuais não ajudam. Eles, inclusive,
atrapalham o setor privado a calcular a taxa de retorno da produção e deixam em
dúvida se amplia a produção ou não porque nunca se sabe até quando vai
durar", reclama o economista Simão Silber. "Essa política
discricionária é arbitrária. Quando não se tem regra definida, não faz bem para
a economia", sentencia.
Autor(es): » VICTOR MARTINS
Correio Braziliense - 09/09/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário